Artigo: Primeira infância em segundo plano

Neste mês, a Comissão Externa de Políticas para a Primeira Infância concluiu seus trabalhos com uma triste constatação: a primeira infância no Brasil permanece em segundo plano

Paula Belmonte – Deputada federal (Cidadania-DF) e coordenadora da Comissão Externa de Políticas para a Primeira Infância

Há uma frase que eu utilizo bastante ao tratar da primeira infância: se as crianças tivessem título de eleitor, a situação delas seria bem diferente. Posso até soar repetitiva, mas infelizmente é a mais pura verdade. Criança não vai protestar em frente ao Congresso, não pressiona o Executivo e não faz lobby, e nem deveria, pois criança precisa ser apenas criança e viver a infância em toda a sua plenitude. Cabe a nós, adultos, ter a responsabilidade de garantir aos nossos pequenos uma infância segura e saudável.

Neste mês, a Comissão Externa de Políticas para a Primeira Infância concluiu seus trabalhos com uma triste constatação: a primeira infância no Brasil permanece em segundo plano. O artigo 227 da Constituição Federal determina que crianças e adolescentes sejam tratados como prioridade pelo Estado, mas infelizmente este trecho da Carta Magna é letra morta. As crianças não são prioridade para a classe política. E a sociedade tampouco se organiza para exigir que o Estado cumpra seu papel.

A Comissão Externa, integrada por 16 parlamentares, promoveu uma análise aprofundada em várias áreas relacionadas às políticas públicas para crianças de zero a seis anos. Em 1 ano e 10 meses de trabalho apresentamos 73 requerimentos e realizamos 20 audiências públicas, 14 reuniões deliberativas, sete visitas técnicas e dois seminários.

A partir dos dados coletados, constatamos que nos últimos quatro anos o governo federal falhou em áreas prioritárias para o desenvolvimento das crianças, tais como esporte, cultura e proteção dos direitos infantis.

No esporte, não foi identificada nenhuma política formulada e em execução para atender especificamente a primeira infância. Na área da cultura, houve apenas uma ação. Em relação aos direitos da criança, não foi verificada ação direcionada especificamente ao público infantil, a despeito de haver políticas voltadas à criança e ao adolescente.

O relatório final produzido pela Comissão Externa mostra a fragilidade e escassez de coleta de dados, monitoramento e avaliação das ações governamentais voltadas à primeira infância. O relatório aponta ainda a inexistência de uma política que integre ações de todos os ministérios envolvidos com o tema primeira infância e de uma instância de coordenação intersetorial que articule essas políticas setoriais.

Diante dessas falhas, recomendamos à Casa Civil criar uma instância de coordenação intersetorial que promova a condução integrada de ações voltadas à primeira infância, com previsão de estrutura administrativa de suporte próprio.

Aos Ministérios da Educação, da Saúde, da Justiça e Segurança Pública, do Turismo, da Cidadania e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a recomendação é que sejam definidos os papéis e as responsabilidades dos atores envolvidos em cada ação governamental intersetorial voltada à primeira infância, bem como o estabelecimento de mecanismos efetivos de comunicação que favoreçam a integração entre os ministérios envolvidos, o compartilhamento de informação e a sinergia dos trabalhos.

Também recomendamos ao governo federal que institua mecanismos de coleta sistemática de dados, monitoramento e avaliação periódica dos resultados para as ações governamentais voltadas à primeira infância e a divulgação na internet dos resultados de todas as ações governamentais identificadas e o somatório dos recursos aplicados para sua execução.

Nas audiências públicas da Comissão Externa foram feitas recomendações de especialistas que incluímos no relatório final, entre elas, capacitar os profissionais que trabalham com crianças e adolescentes; aplicar e ampliar a Lei nº 13.431/2017, que prevê a criação de Centros de Atendimento Integrados para Crianças e Adolescentes; priorizar a investigação e punição dos crimes de violência contra crianças; e tornar efetivo o Decreto nº 10.701, de 17 de maio de 2021, que criou o Programa Nacional de Enfrentamento da Violência contra Crianças e Adolescentes.

As recomendações do relatório servem como alerta para essa gestão que se encerra, para o próximo governo e também para a sociedade, que é preciso priorizar as crianças sob pena de jamais nos tornarmos uma nação desenvolvida.

Houve alguns avanços nos últimos anos, como o Marco Legal da Primeira Infância, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o programa Criança Feliz. Mas ainda falta muito. A criança precisa se tornar, de fato, uma prioridade para todos nós.

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