Rio Melchior é uma “bomba de mercúrio”, alertam especialistas ouvidos na CPI

Relatórios apresentados na Câmara Legislativa apontam alta concentração de poluentes e sugerem soluções para reverter quadro de degradação

Mercúrio, microplásticos e outras substâncias nocivas à saúde humana estão presentes em concentrações alarmantes no Rio Melchior, que corta as regiões de Samambaia, Ceilândia e Sol Nascente/Pôr do Sol. O alerta foi feito por professores da Universidade de Brasília (UnB) durante sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Legislativa que apura a poluição do curso d’água.

Na sessão desta quinta-feira (29), conduzida pela presidente da CPI, deputada Paula Belmonte (Cidadania), o professor José Vicente Elias Bernardi classificou o Rio Melchior como uma verdadeira “bomba de mercúrio”. Ele apresentou dados que mostram a presença da substância em níveis próximos ao limite recomendado: 100 ng/m³/h na água do rio e até 160 ng/m³/h na Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) da região. O máximo admissível é 200 ng/m³/h. “Esta dose é quase letal”, classifica o especialista.

“O mercúrio é um dos contaminantes mais perigosos que temos em circulação, e as cidades são os principais focos de emissão”, alerta Bernardi, que atua no Laboratório de Geoquímica Ambiental da UnB em Planaltina. Segundo ele, os principais vetores são esgotos domésticos, produtos industriais, equipamentos hospitalares e até o ar atmosférico. “Se inalado, o mercúrio pode atingir pulmões, coração e cérebro pela corrente sanguínea”, explica.

Categoria 4

A atual classificação do rio como de categoria 4 – a mais baixa na escala de qualidade – também foi duramente criticada pelos especialistas. Para o ecólogo José Francisco Gonçalves Júnior, do Departamento de Ecologia da UnB, esse enquadramento funciona como uma “licença para poluir”. “O rio classe 4 não tem parâmetros. É como dizer que pode tudo”, afirma. Ele defende que o Melchior seja tratado com o mesmo rigor de outros rios do DF.

O professor Ricardo Tezini Minoti, do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da UnB, coordena o grupo de trabalho de revitalização da bacia do Melchior e garantiu que é possível elevar a classificação para categoria 2 até 2030. Segundo ele, o problema é de gestão, não de viabilidade técnica.

Os especialistas também criticaram a ideia de tratar o Melchior como um “rio de sacrifício”, isto é, um destino deliberado para o despejo de efluentes. “Qual de nós submeteria um parente internado em UTI a um sacrifício? É inaceitável que se proponha isso a um rio”, protesta José Francisco.

Ricardo Minoti revelou ainda que parte dos efluentes provenientes do Lago Paranoá estão sendo desviados para o Melchior. “Estão exportando esgoto para o Melchior para evitar que o Paranoá piore. Isso é escolher um rio para ser o receptor de toda a sujeira”, afirma. Ele também destacou que o uso do reservatório de Corumbá IV, em Goiás, comprova a insuficiência hídrica do DF: “Temos que buscar água em outro estado porque os nossos mananciais já não dão conta.”

Lençol freático

Na reunião, Paula Belmonte reiterou a preocupação com os impactos da poluição não apenas para a população das regiões diretamente afetadas, mas para todo o DF. “Salvar o Rio Melchior não é uma pauta regional. É uma defesa da saúde e da qualidade de vida de toda a população do Distrito Federal”, afirmou.

A deputada lembrou que, na última atividade da CPI, foi realizada uma inspeção ao Aterro Sanitário de Brasília , onde notou-se uma operação previamente ajustada para a visita dos parlamentares. “A nossa preocupação é saber se a impermeabilização do aterro é de fato eficiente. A contaminação do lençol freático pode ter consequências gravíssimas”, alerta.

Ela aproveitou para reforçar o compromisso com a transparência e com a ética na gestão ambiental. “Além da fiscalização, apresentei um projeto que propõe uma quarentena para quem atua no setor privado da saúde antes de assumir cargos públicos. Precisamos romper com conflitos de interesse e proteger o interesse público – na saúde e no meio ambiente”, destacou.

Recuperação

Segundo os especialistas, há solução para a recuperação do Melchior, desde que haja vontade política. José Francisco citou o exemplo de Goiás, que estabeleceu como meta elevar todos os rios do estado à categoria 2 até 2030. Ele defende a criação de um marco regulatório ambiental para o DF até 2050. “Há tratamento para tudo isso. A recuperação exige seriedade, continuidade e compromisso. Se nada for feito, o cenário só tende a piorar”, adverte.

Paula Belmonte concluiu: “Esta CPI precisa propor um novo modo de pensar. Quem acredita que isso aqui não vai dar em nada está enganado. Meu compromisso com a população é claro: vamos dar uma resposta ao Melchior”.

Na próxima quinta-feira (5), a CPI realizará visitas técnicas à Estação de Tratamento da Caesb. No dia 12 de junho, os deputados fazem a sétima sessão ordinária, no Plenário da Câmara Legislativa.

Confira as fotos abaixo:

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